*Por Fabíola Leite Orlandelli Gindro
As pessoas com síndrome de Down são beneficiárias da isenção de diversos impostos por força de lei, sendo que, nesta oportunidade, trataremos especificamente da isenção de impostos incidentes na aquisição de veículos automotores.
No âmbito dos impostos de competência da União, temos o IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados – cuja isenção para portadores de síndrome de Down na aquisição de veículo automotor, é prevista no artigo 1º inciso IV da Lei Federal nº 8.989/95, com redação dada pela Lei n. 10.680/2003.
Referida isenção é reconhecida administrativamente pela Secretaria da Receita Federal mediante prévia verificação do preenchimento dos requisitos previstos na Lei, sendo que a isenção somente poderá ser utilizada uma vez, salvo se o veículo tiver sido adquirido há mais de dois anos.
O passo-a-passo para a isenção do IPI na aquisição de veículos automotores para portadores de síndrome de down encontra-se no site da Receita Federal do Brasil, no link.
No âmbito dos impostos de competência dos Estados, temos, no Estado de São Paulo, a isenção do ICMS, que inicialmente foi prevista apenas para as pessoas com deficiência física no artigo 19 do Decreto n. 45.490/00 (RICMS), sendo tal isenção posteriormente estendida, pelo Convênio ICMS 38/2012, aos portadores de síndrome de Down, para aquisição de veículos cujo valor não ultrapasse R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
Referida isenção também é reconhecida administrativamente pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, e o passo-a-passo para sua obtenção encontra-se no site daquele órgão, no link.
De outra parte, no tocante a outro tributo de competência estadual – o IPVA – não há previsão legislativa de sua isenção para as pessoas portadoras de síndrome de Down, sendo que a Lei Estadual n. 13.296/2008 somente prevê a isenção do referido imposto para pessoas com deficiência física.
No entanto, entendemos que tal distinção viola frontalmente diversos princípios previstos na Constituição Federal, dentre os quais o da isonomia (artigo 5º, caput), da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), da proteção à pessoa portadora de deficiência (artigo 23, II), dentre outros. Inexiste razão para tratar de modo diverso as pessoas com diversos tipos de deficiência – física e mental – para o fim de isenção do IPVA, mormente quando já há tratamento equânime com relação à isenção de outros impostos, como no caso do IPI e do ICMS, como já mencionamos.
As pessoas portadoras de síndrome de down, além das atividades diárias que realizam (ida à escola e/ou ao trabalho, por exemplo), necessitam ter facilitada sua locomoção principalmente em razão de seu deslocamento aos diversos serviços de atendimento médico e terapêutico, havendo sempre a necessidade de auxílio de outra pessoa, geralmente um responsável legal, para que possa se locomover utilizando-se do veículo automotor;
A esse respeito, cumpre observar que o artigo 13 da Lei n. 13.296/2008 (que estabelece o tratamento tributário do IPVA) dispõe que é isento o imposto de um único veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física; com base nesse dispositivo legal, argumenta a Fazenda Estadual que as pessoas com síndrome de down, além de não possuírem deficiência física, não podem conduzir o próprio veículo e, portanto, não são abrangidos pela norma legal, em sua interpretação literal.
No entanto, a interpretação literal das normas tributárias, tanto a retro mencionada como também a do inciso II do artigo 111 do Código Tributário Nacional (que prevê o dever de se interpretar literalmente a norma que disponha sobre isenção) acaba por impedir a inclusão social das pessoas portadoras de síndrome de down, violando assim os princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da proteção e integração social das pessoas com deficiência, dentre outros.
Desta forma, cabe aos operadores do Direito a interpretação e a aplicação das normas tributárias consoante os princípios constitucionais, havendo por isso inúmeras decisões judiciais reconhecendo a isenção do IPVA para as pessoas portadoras de síndrome de down, que não dirigem o próprio veículo. Assim, na aplicação das normas jurídicas ante ao caso concreto, entendemos deva preponderar o princípio da proteção às pessoas com deficiência, máxime porque os interesses sociais mais relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos menos significantes, ocasião em que se concretizará o disposto no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil: na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Portanto, na aquisição de veículo automotor, a pessoa portadora de síndrome de down consegue obter administrativamente a isenção do IPI e do ICMS; no entanto, pelas razões já expostas, a Fazenda Estadual não reconhece a isenção do IPVA, cabendo um olhar mais sensível do Órgão Estadual para o reconhecimento da isonomia com relação às pessoas portadoras de síndrome de down, caminhando, assim, para sua completa e efetiva inclusão social.
*Fabíola Leite Orlandelli Gindro é advogada e Procuradora do Município de São Paulo.
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